A fundação do Instituto dos Advogados Distrito Federal foi um momento importante da Advocacia em Brasília e no Brasil. A história da Advoca brasileira remonta à época da Independência com a criação em 1827 dos cursos jurídicos, em São Paulo no Convento de São Francisco e em Olinda no Mosteiro de São Bento.
Foi um começo fecundo com Teixeira de Freitas em primeiro lugar seguido por crescente e influente comunidade de advogados que, em 1843, cria o Instituto dos Advogados Brasileiros de onde, mais tarde nasceria a Ordem dos Advogados do Brasil em 1930, 87 anos mais tarde.
Com a mudança da capital em 21 de abril de 1960, no mês seguinte, nas dependências do Tribunal de Justiça recém-instalado, é criada a Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal e 10 anos após, no dia 02 de julho de 1970, presentes o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Laudo de Almeida Camargo, o Presidente da Ordem dos Advogados de São Paulo, João Baptista Prado Rossi, e os fundadores, foram aprovados os estatutos e eleito o Prof. José Pereira Lira como seu primeiro Presidente do Instituto dos Advogados do Distrito Federal.
De lá para cá o Instituto expandiu seu quadro social, aplicou-se na buscar de seus objetivos e ganhou o respeito da comunidade jurídica. Essa foi uma conquista de muitos, em especial, dos seus Presidentes, um elenco formidável de grandes advogados que por 54 anos sustentaram os valores da entidade. Todos, sem exceção, deixavam um legado de dedicação e competência que enriquecia e valorizava a instituição.
Um deles, no entanto, merece registro especial: Antônio Carlos Osorio.
Osório porque o Instituto deve a ele seu impulso vital. Foi dele, como sexto Presidente da Ordem a decisão de criar em Brasília uma entidade voltada para o estudo do Direito, o culto à Justiça e à sustentação do Estado Democrático Foi uma decisão inspirada e corajosa.
Corajosa sim, porque naquela época sombria e perigosa, a criação de uma entidade de advogados com aqueles propósitos soava suspeita, contestadora ou mesmo subversiva. Pouco antes, em 13 de dezembro de 1968 fora editado o AI n5 que pôs abaixo o Estado de Direito, e inaugurou o período da Ditadura Escancarada.
Com base no AI 5 três ministros do Supremo Tribunal Federal, Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva haviam sido compulsoriamente aposentados.
No dia seguinte à publicação do AI 5 o Dr. Sobral Pinto, um notável advogado de 75 anos, ex-presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, fora preso em Goiânia e trazido a força para Brasília.
Naquele ano de 1970, os advogados Heleno Fragoso, Augusto Sussekind de Moraes Filho e George Tavares foram presos no Rio de Janeiro sem qualquer acusação formal pelo simples fato de defenderem presos políticos.
Aqui mesmo em Brasília, dois colegas José Oscar Pelúcio Pereira e Thomas Miguel Pressburger foram presos incomunicáveis, sem que se soubessem o motivo. Na qualidade de Presidente da Ordem Osorio protestou contra as prisões arbitrarias, quebrou a incomunicabilidade deles e representou ao Procurador Geral contra o General Comandante Militar de Brasília.
Uma figura notável esse Ozorio: bom e aguerrido advogado, verdadeiramente um intelectual com solida formação humanista, escritor e poeta consagrado pela Academia Brasileira de Letras com o Prêmio Olavo Bilac e, ao mesmo tempo, um militante determinado, obstinado e incansável.
Chegou cedo em Brasília, em 1957. Foi seu o primeiro escritório de advocacia na Cidade Livre. Pioneiro entre os advogados pioneiros, desde então seu líder. Depois de muita lida e algumas derrotas sua chapa renovadora finalmente venceu em 1969 e ele tornou-se o sexto presidente da Ordem redirecionando-a para a defesa dos advogados anônimos das instancias ordinárias que se sentiam negligenciados, desprotegidos, desemparados, esquecidos pela Ordem e que àquela altura formavam seu contingente maior.
Revelou-se um bom administrador. Na sua gestão, a Seccional do Distrito Federal realizou o primeiro exame de ordem no Brasil; criou a Caixa de Assistência dos Advogados; a Revista da Ordem; torna a entrega de carteiras aos novos advogados uma celebração solene e sustenta vigorosamente a independência da Ordem dos Advogados naquela época ameaçada de controle por orgãos do governo.
Osorio tornou a Ordem a casa de todos os advogados. A Ordem, de repente ganhou corpo, massa, músculos, expressão, representatividade mesmo naqueles tempos de pouca liberdade.
Mas foi a criação do nosso Instituto dos Advogados do Distrito Federal o seu melhor momento como ele mesmo o reconhece ao referir-se à sua gestão à frente da Ordem:
“…tenho que a tarefa mais significativa, e também mais polemica na ocasião, que me coube desempenhar, foi a criação do Instituto dos Advogados do Distrito Federal”
“Dei por certo uma eficaz colaboração para fundá-lo e fazê-lo crescer, como certo estou haverá de continuar sua trajetória ascendente. Por isso me é grato lembrá-lo desde nascituro, tanto mais porque convicto de que as instituições duram mais do que a frágil memória dos homens.” (Arquivo Morto, pag. 143)
Osorio começa por compor uma comissão com quatro advogados, Carlos Robichez Pena, Roberto Rosas, Carlos Fernando Mathias e eu com o objetivo de encaminhar a criação do Instituto. Ao Carlos que era o seu Vice-presidente coube a articulação com a Ordem dos Advogados do Brasil e o Instituto dos Advogados Brasileiros para obter o nihil obstatdaquelas entidades, de vez que o Estatuto da Ordem então vigente atribuía expressamente ao Presidente do Conselho Federal competência para “promover, nas Secções, a organização do Instituto dos Advogados”. O Roberto ocupou-se do anteprojeto dos Estatutos, organizou e secretariou
Assembleia Geral de Fundação, redigiu e registrou ata.
Em 1974 Osorio que deixara a Presidência da OABDF é eleito Presidente do IADF sucedendo a Pereira Lira. Torna-se então o segundo então Presidente do Instituto estruturando a casa e clareando os rumos que o Instituto haveria de tomar. No seu discurso de posse deixou bem claro:
O IADF é um centro de estudos jurídicos, mas atrevo-me a entender que não deve ser mais um deles, dentre tantos, e excelentes, que existem. Algo deve distingui-lo, algum toque especial deve inspirar a sua programação e os seus trabalhos.
O advogado não é um mero prestador de serviços pagos, mas um homem cívico. Não um técnico a serviço dos apaniguados ou poderosos, mas um portador responsável de valores sociais e humanos. Não um mero assessor, para consecução de metas que ignora, mas um ativo coadjuvante ou promotor de objetivos.
O advogado não é profissional de um mero “fazer” técnico, inconsciente e desinteressado dos fins da ação. Deve manter-se consciente e responsável por estes.
De fato, o Instituto, não se desviou, manteve o rumo, continuou sua trajetória ascendente e hoje, meio século depois, somos um grêmio consolidado, com uma historia honrosa e um acervo que não se desmereceu a confiança e as aspirações dos 60 fundadores.
O Instituto segue sendo uma respeitada academia de direito e mais que isso uma trincheira onde tem abrigo o Estado democrático de direito.
Muitos contribuíram para esse duplo e ambicioso objetivo, dois em especial, Roberto Rosas e Pedro Gordilho, aliás fundadores.
O Roberto esteve presente em todos os momentos desde a concepção do Instituto. Foi responsável pelos atos e documentos essenciais, foi o Secretário Geral da primeira diretoria, criou a revista do IADF na gestão do Osorio e foi seu sétimo Presidente no biênio 82/84.
Na sua gestão o Instituto foi reconhecido como de Utilidade Pública e foi criado o Prêmio Pontes de Miranda outorgado a Hely Lopes Meireles, Orlando Gomes, Miguel Reale, José Carlos Moreira Alves, Marco Aurélio Melo e Luiz Roberto Barroso, e Alexandre de Moraes.
Dos presidentes que se sucederam não me lembro de nenhum que não tenha se socorrido da sempre generosa, prestimosa e competente contribuição do Roberto, sempre disponível para servir ao Instituto que ajudou a criar e do qual foi Presidente.
Quando o Roberto aqui chegou à Brasília em 1965 eu já estava aqui e desde logo tornei-me seu amigo e admirador. Trabalhamos juntos no STF naquele tempo já distante, ele como Assessor Jurídico do Ministro Gonçalves de Oliveira e eu do Ministro Pedro Chaves.
De lá para cá construiu uma admirável, uma formidável carreira acadêmica coroada como professor titular da UNB onde lecionou por 30 anos. Tornou-se um dos mais renomados advogados brasileiros e um jurista consagrado nacionalmente.
Recentemente foi publicado um livro em sua homenagem coordenador por Arruda Alvim com a participação consagradora de 70 das mais expressivas figuras do mundo jurídico nacional, com um enternecedor prefácio do filho Rodrigo e o depoimento definitivo de seu associado Flavio Galdino:
“De fato, seria incorreto dizer apenas que o professor Roberto Rosas tem uma carreira acadêmica fulgurante e senhor de uma de uma produção extensa e brilhante
Igualmente seria por demais reducionista retratar o Roberto Rosas como apenas um dos maiores advogados privados do país.
O Professor Roberto Rosas é justamente o virtuoso amalgama dessas duas feições complementares que raramente se conjugam de forma tão fecunda.
O título do livro é Uma Vida Dedicada ao Direito que eu aproveito para dizer que Roberto dedicou uma vida ao Instituto dos Advogados do Distrito Federal. Desde a fundação ao longo desses 54 anos não houve ninguém mais presente, mais dedicado e relevante para garantir qualidade acadêmicas ao Instituto
O segundo objetivo fundamental do Instituo é o de velar pelo Estado Democrático de Direito. Desse tem cuidado aplicadamente o Pedro Gordilho, seu bravo guardião. Desde a fundação tem sido dele o múnus de garantir uma trajetória institucional participativa do IADF, fiel ao ensinamento de Ruy Barbosa e Levi Carneiro.
Ruy que foi Presidente do IAB, escreveu:
“À medida que se estende o domínio do arbítrio, que sucedem as leis iníquas, que o poder amplia as suas prerrogativas, torna-se cada vez maior a destruição dos direitos do homem e a responsabilidade do advogado.”
E Levi Carneiro, que também foi Presidente do IAB ao tomar posse como primeiro Presidente da OAB, em 30 de outubro de 1930 anotou:
“Tenho sempre afirmado que o nosso dever de advogados, de juristas, de homens voltados ao culto da ordem jurídica – é, menos a defesa de interesses eventuais de certo número de indivíduos envolvidos em pleitos jurídicos do que os da própria coletividade”.
Pedro Gordilho se fez arauto dessa causa desde a primeira hora e a tem sustentado até hoje, com determinação, propriedade e a elegância de sempre.
No discurso de saudação ao Ministro Mauricio Correia que tomava posse na Presidência do STF, Pedro disse, em nome da OAB e do IADF, em 08 de agosto de 2003:
Vivemos, faz pouco — não faz tanto tempo, ainda —, anos incomuns. E naquele longo período de obscurantismo, o Direito sempre saiu triunfante desta tribuna, na casa do Direito, que é a Ordem dos Advogados do Brasil, e neste Instituto, que tem por missão pensar o direito que está nos sistemas que a nação reclama. E quando o ardor da sociedade insatisfeita atingiu as nossas instituições, nunca decepcionamos a nação sofredora, lutando por tudo aquilo que importava à sorte do País. Ganharam amplitude os protestos contra a ditadura e as iniquidades dela decorrentes.
Todos nós temos compromisso, porque a missão dos juristas, diante dos conflitos indesconhecíveis da ordem social, não poderá ser a atitude contemplativa de soluções codificadas. Cabe-lhes o esforço do diagnóstico e da terapêutica.
No discurso aos advogados da Cia Vale, no Rio de Janeiro, em 17 de agosto de 2007:
Nos momentos de crises institucionais e de reiterado abuso de poder, o advogado assume um papel de trincheira da resistência civil ou de pulmão das aspirações nacionais a serem contrastadas com as determinações dos detentores do poder. O advogado, em instantes culminantes da História, é convocado a transcender do seu simples escritório de advocacia em benefício da luta social, em benefício da sociedade. Em tais situações está o advogado imediatamente obrigado a funcionar como verdadeiro canal receptor das grandes aspirações da nacionalidade. Trata-se de um papel extremamente difícil, mas sempre imprescindível, como mostra a História dos povos cultos.
Pedro Gordilho ministrou aula magna no curso de Direito do Centro Universitário Católica de Santa Catarina, sobre o tema “A Democracia e a Constituição”.
A atitude do advogado e do jurista, em face dos excessos e do extremismo que ameaçam ou golpeiam a ordem jurídica, não pode ser de ceticismo, de indiferença, ou de passividade. Ouso pensar que temos um compromisso marcadamente expressivo, de grande significação, com a defesa dos cânones que se integram à ordem constitucional e legal, sobretudo numa quadra em que o arbítrio, a violência e o ódio procuram vencer e dominar todas as forças morais que são o fundamento mesmo do direito. *
No discurso que proferiu por ocasião do 48 ano do IADF, disse Pedro:
Se quisermos aperfeiçoar a sociedade — e nós, advogados, temos, com esta aspiração, um compromisso impostergável —, a primeira condição é combater a injustiça sob todos os rótulos com que se apresenta, mesmo que seja a falácia da defesa da ordem, preâmbulo dos sistemas políticos nacionalistas, imperialistas, antiliberais e antidemocráticos.
Na homenagem que o IADF prestou ao Ministro Carlos Coquejo Costa o orador foi o Pedro Gordilho:
Nós, advogados, vivemos para defender as garantias da ordem jurídica, nosso pensamento dominante é sempre o mesmo, inspirado nos anseios de liberdade e de justiça. É por esse motivo que estamos atentos à atuação dos dois princípios que disputam a posse do mundo: a força e o direito, a tirania e a liberdade, a superstição e a ciência, o princípio da estagnação e o do movimento efervescente, do progresso. Num cenário como este, tão vasto quanto conturbado, o jurista confunde-se com o pregador, com o soldado, com o apóstolo. A sua missão é a de quem doutrina, combate e constrói, intervindo no processo social, econômico e político.
No seu livro Tribunais, Ministros e Lembranças do Meu Tempo, com conferências e discursos em que o Pedro dá o seu testemunho crítico sobre o Brasil contemporâneo, do primoroso prefacio do advogado Paulo do Couto e Silva, recolho e subscrevo a mesma convicção:
Parece visível na pregação do advogado Pedro Gordilho em suas conferências como nas muitas saudações em homenagens a personalidades eminentes do Poder Judiciário, o seu empenho na exaltação do estado democrático de direito.
Chegamos a Brasília no mesmo ano de 1961. Desde então minha admiração por ele só cresceu. É elegante, é cordial, é educado, é culto, conhece os clássicos e a vanguarda dos autores modernos, é inteligente, como escritor é claro, preciso, leve, sóbrio. É um grande orador que dá gosto ouvir pela forma e conteúdo e melhor seria se estivesse no meu lugar. Verdadeiramente um humanista, um homem de pensamento, um intelectual de verdade, e de quebra articula tudo isso com arte, música e lirismo. De mais a mais um advogado notável, jurista respeitado, bom amigo inspirador que sabe viver, fazer e ser. Teve a benção de nascer na Bahia, de pai advogado e Prefeito de Salvador e de mãe pianista.
Em uma palavra: o Pedro é incrível e o IADF teve a incrível sorte de tê-lo como mentor e guia.
Presidente Jacqueline De Domenico sou-lhe grato pelo convite para falar em nome dos fundadores, de todos os fundadores. Espero que me releve se não fui fiel ao mandato ao celebrar só de três deles: o que criou o IADF e os dois que guardaram por décadas o seu credo pelo primado do Direito e da Justiça, pois é em ocasiões de jubilo como essa que o mérito deve ser reconhecido, proclamado e louvado.
Obrigado