Advocacia Militante

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ADVOCACIA MILITANTE: O EXERCÍCIO PROFISSIONAL
E A LINGUAGEM FORENSE
Pedro Gordilho
 
                    Em nossa profissão lidamos marcadamente com dois grandes pilares da História da humanidade, a saber, o direito e a ética. Aqui vamos chegar ao cerne de uma questão delicada na vida do advogado, pública e privada: a sua postura, o seu comportamento, o exercício profissional visto pelos outros, e o exame de sua consciência. O notável advogado francês Maurice Garçon adverte, em palavras candentes: “O advogado rege sozinho a sua conduta. Ele é o único árbitro de seu comportamento, o que o obriga a se mostrar particularmente escrupuloso. Deve ele dominar não apenas suas próprias paixões mas ainda a daqueles que o cercam. Não deve jamais ceder a solicitações suspeitas. Sua honestidade, sua probidade, sua sinceridade, sua independência e sua moderação, que não excluí a firmeza, devem permanecer ao abrigo de toda a desconfiança, e sua autoridade será tão maior quanto ele escape da crítica.” (Maurice Garçon, L’Avocat et la morale, Paris, Buchet/Chastel, 1963, p. 19).
                    As regras morais, cujo acatamento é imperioso ao advogado, são as que decorrem do nosso código de ética, como, por igual, todos aqueles princípios provenientes das práticas de nossos antepassados, de nossos modelos, e que nos são lembradas pela disciplina costumeira da comunidade na qual vivemos e onde exercemos a nossa profissão. Dentre essas figuras modelares estão, no pódio, na antiguidade, Marco Tulio Cícero, mais perto de nós Rui Barbosa, e, depois, nossos contemporâneos, Dario de Almeida Magalhães, Evandro Lins e Silva, Victor Nunes Leal e José Guilherme Villela.
                    Aqueles princípios que, mesmo não estando escritos, estão na consciência de todos, são de observância indisputável quando se trata da profissão de advogado, profissão essa que está ligada a um mecanismo supremo que é o da administração da justiça. Como em um sacerdócio, as virtudes superiores, que estão conectadas com a moralidade das ações humanas, deverão ser elevadas ao seu mais alto grau, pela sua própria natureza e, marcadamente, pelas origens tão singulares, pelas fontes tão peculiares de nossa atividade profissional.
                    Temos nosso código de ética e disciplina, um vigoroso conjunto de regras que oferecem a diretriz a ser seguida pelos advogados e que, por isso mesmo, merece ser lido e analisado, cotidianamente, por todos quantos fazem da militância seu sacerdócio.
                    O preâmbulo apresenta com clareza os princípios que devem formar a consciência profissional do advogado, concebidos nos seguintes termos: “lutar sem receio pelo primado da Justiça; pugnar pelo cumprimento da Constituição e pelo respeito à Lei, fazendo com que esta seja interpretada com retidão, em perfeita sintonia com os fins sociais a que se dirige e as exigências do bem comum; ser fiel à verdade para poder servir à Justiça como um de seus elementos essenciais; proceder com lealdade e boa-fé em suas relações profissionais e em todos os atos do seu ofício; empenhar-se na defesa das causas confiadas ao seu patrocínio, dando ao constituinte o amparo do Direito, e proporcionando-lhe a realização prática de seus legítimos interesses; comportar-se, nesse mister, com independência e altivez, defendendo com o mesmo denodo humildes e poderosos; exercer a advocacia com o indispensável senso profissional, mas também com desprendimento, jamais permitindo que o anseio de ganho material sobreleve à finalidade social do seu trabalho; aprimorar-se no culto dos princípios éticos e no domínio da ciência jurídica, de modo a tornar-se merecedor da confiança do cliente e da sociedade como um todo, pelos atributos intelectuais e pela probidade pessoal; agir, em suma, com a dignidade das pessoas de bem e a correção dos profissionais que honram e engrandecem a sua classe”.
                    É imperioso reconhecer que o advogado, como num cotidiano dever de consciência, deve saber julgar a si próprio, tarefa extremamente penosa, quando se avalia que é ele o único arbitro, único juiz de seus deveres.
Para que esteja em condições de aceitar uma causa nova, deve o advogado, antes de mais nada, verificar se ele se encontra, em face de seus conhecimentos, à altura da tarefa. E esta tarefa está em função da verdadeira compreensão dos fatos que lhe apresentem e dos seus conhecimentos de direito aplicáveis aos fatos, assim como de sua cultura jurídica e de seu talento.
                    É evidente que o advogado pode defender um culpado sem deixar de observar o Código de Ética. Pelo contrário. O Código de Ética impõe a defesa, impõe-lhe o dever de defender. Ele não vai dizer ao juiz, em suas peças processuais, que o juiz deverá, num caso assim, liberá-lo porque o réu é inocente. Ele deverá dizer: aqui está um culpado, mas cabe ao magistrado, diante do quadro jurídico que o advogado lhe apresenta, emitir um juízo justo e conforme com a lei. O dever do advogado é fazer abstração de sua convicção pessoal. Ele não é o servidor de uma verdade eterna. Ele é o servidor da verdade judiciária, verdade essa que não encerra força, não contém valor moral senão à luz do processo do qual o advogado se desincumbe no plano profissional.
O Código de Ética, ao impor a obrigação de defender o réu pobre, deixa expresso, mesmo para o cumprimento desse dever fundamental, a ressalva da recusa, baseada em motivo justo. Ora, se ainda quando designado pela Assistência Judiciária, pelo juiz ou pela Ordem, para a defesa de um réu pobre, o advogado pode recusá-la, com muito maior razão poderá fazê-lo, qualquer que seja a causa ou o cliente.
                    Se cabe ao advogado a função de encontrar, na sistemática de normas genéricas e abstratas que formam toda a amplitude do direito positivo, a solução para o problema concreto que lhe é trazido pelo cliente, é ele o primeiro juiz da causa. A função criadora da jurisprudência tem seus bastidores no trabalho do advogado, que propõe o equacionamento a ser aceito pelo Tribunal ao se convencer das proposições que lhe são apresentadas.
                    Impõe-se, por igual, aos juristas e aos advogados preparar o campo para o novo Direito, porque é disto que resulta a nossa missão de lutar pelo aperfeiçoamento da ordem jurídica. O povo, a sociedade como um todo, têm um sentimento de justiça, mas não basta a chancela, a ratificação e o desejo de fazer prosperar as reformas para converte-las em direito. Compete aos juristas, compete aos advogados transformar este sentimento em razão, como propôs Georges Ripert, que friza ser tarefa dos juristas a proposição de um Direito inovador pela incorporação das regras que a sociedade reclama, bem visualizadas pelo advogado no exercício de sua atividade profissional.
                    Além do compromisso de conduzir com técnica as pessoas litigantes e com isso colaborar no estabelecimento de uma solução que a paz social deseja, além de funcionar, em momentos de crise, como um vaso comunicante dos anseios nacionais, o advogado exerce ainda o papel de construtor de uma sociedade integralmente justa, buscando a melhor distribuição da riqueza nacional, a desconcentração do capital, a partilha.
                    Conhecendo História, tendo conhecimentos de Sociologia, de Psicologia, de Economia, de Política, que a profissão exige, o advogado, antes de ser apenas um profissional do Direito, é um ser humano, não pode viver isolado, o advogado necessita de relações com os demais seres humanos para viver e para sobreviver. Ele tem o dever de partilhar, de difundir seus conhecimentos jurídicos. Não pode, por isso, ser apenas um mero conselheiro, quando solicitado, mas assumir o papel, em um país, como o Brasil, com tanta desigualdade, de importante agente transformador da realidade social, denunciando, representando, divulgando seus conhecimentos, colocando a serviço da nação os muitos deveres que sua disciplina profissional lhe impõe e o conhecimento amplo que a atividade advocatícia lhe oferece.
 
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Ao desempenhar esse relevante múnus, o advogado deve timbrar sua linguagem buscando sempre o convencimento, seja do julgador, seja da nação brasileira, nos momentos de ameaça à ordem democrática, ao Estado Democrático do Direito, não sendo demais relembrar que na história de nossa República a democracia é ameaçada a cada 20 ou 30 anos.
                    A linguagem socializa e racionaliza o pensamento. É axiomático, modernamente, que quem pensa bem escreve ou fala bem. Assim cabe ao advogado estudar os processos do pensamento, que são objeto da Lógica, conjuntamente com a expressão material do pensamento, que é a linguagem. Nenhuma atividade liberal necessita mais de forma verbal adequada do que a advocacia. Isto porque o jurista não examina diretamente os fatos. Trabalha mediante uma exposição deles, e esta exposição é feita, necessariamente, mediante textos escritos ou depoimentos falados.
Os romanos diziam que, quando o texto é claro, cessa a interpretação (In claris intepretatio cessat). É até um princípio de hermenêutica. A precisão requer o conhecimento dos termos e de seu valor. Um dicionário de sinônimos, um dicionário analógico, o aprendizado de figuras, o estudo de expressões usadas em direito resolvem o problema da precisão.
                    A concisão é a qualidade principal da linguagem forense, uma vez respeitadas as demais. Consiste na busca da forma breve, incisiva para o pensamento. Uma norma apreciável são os períodos curtos. Os pontos finais, separando mais acentuadamente as partes do pensamento, oferecem a pausa de que precisa o leitor para apreender os conceitos e os raciocínios apresentados.
                    É axiomático que petições iniciais, recursos, requerimentos, sentenças constituem um raciocínio.
                    Esses raciocínios são expressos sob a forma de um silogismo. Camagna escreve: “la seconda (a sentença) è un silogismo di cui la legge è la premessa maggiore; il fato concreto è la premessa minore; l’aplicazione del diritto al fato è la consequenza (conclusão)”. Em todos os artigos contemplados na lei processual encontramos o fato (premissa menor), a norma (premissa maior) e o pedido ou decisão (conclusão), a saber, um silogismo.
                    As presunções representam, evidentemente, um raciocínio, pois são conclusões obtidas, partindo-se de fatos conhecidos para outros desconhecidos. Frederico Marques entende que a presunção não é uma prova, porém “um processo lógico por meio do qual a mente atinge a uma verdade legal”.
 
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Vejamos agora – na visão competente da mestra em linguística Dad Squarisi – algumas regras da boa linguagem.
 

  • Seja adequado

A língua se parece a imenso armário. Nele há todos os tipos de roupas. O desafio: escolher a mais adequada para o momento. A piscina pede biquíni. O baile de gala, longo e black-tie. O cineminha, traje esporte. Trocar as vestes tem nome. É inadequação.
O mesmo princípio orienta o texto. Horóscopo exige palavras abstratas e genéricas. Dirá que o domingo trará surpresas. Jamais que a pessoa ganhará na loteria ou comprará um carro. Se e-mails, redações de concurso e provas de vestibular usarem a língua do horóscopo, terão destino certo – a reprovação. Não se trata de certo ou errado. Mas de adequado ou inadequado.

  • Seja claro

Montaigne, há 400 anos, disse que o estilo tem três virtudes. A primeira: clareza. A segunda: clareza. A terceira: clareza. Graças a ela, o receptor entende a mensagem sem ambigüidades. Como ensina Ínigo Dominguez, “uma frase tem de estar construída de tal forma que não só se entenda bem, mas que não se possa entender de outra forma”.

  • Seja preciso

A precisão tem íntima relação com as palavras. Buscar o vocábulo certo para o contexto é trabalho árduo. Exige atenção, paciência e pesquisa. Consulte dicionários e textos especializados.
Corte o supérfluo. Desconfie das abstrações. Deixe a ação falar por si mesma (Ezra Pound).

  • Seja fácil

No mundo de corre-corre queremos textos curtos, precisos e prazerosos. Rapidez de leitura fisga. Para chegar lá, opte por palavras familiares. Informe, rápido e bem. Respeite a memória do leitor. Ele só consegue reter determinado número de palavras. Depois, os olhos pedem uma pausa. Escolha bom título. Prefira a ordem direta. Evite intercalações. Vacine-se contra redundâncias, pedantismo e verborragia. Escreva frases curtas. “Uma frase longa”, escreveu Vinicius, “não é nada mais que duas curtas”.

  • Seja leve

Não canse quem vai ler seu trabalho. Nem o obrigue a ter o dicionário ao lado. Muito menos a voltar atrás para recuperar o que foi dito. Respeite-lhe o tempo, os ouvidos e o bom gosto. Em suma: busque a frase elegante, capaz de veicular com clareza e simplicidade a mensagem que você quer transmitir.

  • Seja surpreendente

Surpresa chama a atenção e desperta a curiosidade. É o gosto pelo inusitado. O chavão vai de encontro à novidade. Palavra ou expressão, tantas vezes repetida, perde o viço. Pontapé inicial, abrir com chave de ouro, chorou um rio de lagrimas, ver com os próprios olhos, cair como um bomba, são expressões que tiveram frescor algum dia. Hoje soam como coisa velha. Transmitem a impressão de profissional preguiçoso, desatento ou malformado. Em bom português: incapaz de surpreender.

  • Seja dinâmico

Água parada apodrece. Espanta os próximos e deixa os distantes de sobreaviso. Só o movimento a mantém viva. O mesmo ocorre com a língua. Frases mornas e tediosas afugentam o leitor. Seja dinâmico. Vá logo ao ponto. Abuse de substantivos concretos. Prefira a voz ativa. Fuja de adjetivos e advérbios. Evite palavras longas e pomposas.

  • Seja gentil

As palavras carregam carga ideológica. Algumas mais, outras menos. A sociedade está atenta aos vocábulos que reforçam preconceitos. Fuja deles. Cor, idade, peso, altura, origem, condição social e opções sexuais são as principais vítimas.
Gentileza não se restringe a palavras. Atinge os períodos, passa pelos parágrafos, chega ao texto completo. Ao se expressar, comece pelo mais importante. E comece bem, com uma frase atraente, que desperte o interesse e estimule a vontade de avançar até o fim. Aí, ofereça o prêmio cuidadosamente escolhido: um fecho marcante, tão forte quanto a introdução. Lembre-se: a última impressão é a que fica. Sempre, principalmente no texto.
                    Quando foi elaborado o Código Napoleônico, com o espírito novo que tomara a França quinze anos antes, a linguagem era igualmente importante. Límpida, incisiva, objetiva, técnica. Os franceses souberam distinguir técnica de política, quando aquela se impõe necessariamente a esta. A política, fenômeno transitório, dá lugar a solução precisa dentro do vernáculo, para permanecer indefinidamente, como deve ser uma Constituição, como deve ser um Código Civil. Melhor diria Stendhal, trinta anos depois, em carta a Balzac, que vale a pena reproduzir:
“Compondo A Cartuxa de Parma, para pegar o tom, eu lia cada manhã duas ou três páginas do Código Civil, a fim de ser sempre natural; eu não quero, por meios fictícios, fantasiosos, artificiais, fascinar a alma do leitor”.
                    É assim o Código Civil francês. Vernáculo puro. No Brasil, esta doutrina foi inteiramente assimilada pelo Código de 1916, sem definições ou pretensões outras senão a de determinar as definições jurídicas mais objetivas. Vernáculo – genuíno, correto e puro, sem mescla de estrangeirismo, que mantém correção e pureza no falar e no escrever.

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                    Nós trabalhamos como o raciocínio. Mas a exposição terá de ser atraente. A forma lógica mais segura para se raciocinar é a do silogismo, uma argumentação que consta de três enunciações, conexas entre si, de modo que, afirmando, ou negando as antecedentes, afirmar-se-á, ou negar-se-á, a terceira.
A petição inicial indicará o juiz ou tribunal, os nomes e qualificação das partes, o fato e os fundamentos jurídicos do pedido, o pedido, com suas especificações, o valor da causa, as provas e o requerimento para a citação. O recurso de apelação deverá conter os nomes e a qualificação das partes, os fundamentos de fato e de direito e o pedido de nova decisão.
                    Destaca-se a exigência que contempla a forma lógica de raciocinar, a permitir a efetividade do processo e a realização do justo. Ao expor os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido, na petição inicial, e os fundamentos de fato e de direito, no recurso de apelação, haveremos de compor o silogismo, que é a forma mais completa de raciocínio. Compõe-se, o silogismo, de três proposições formadas de três termos duas vezes repetidos. Os dois termos, unidos ou separados pela conclusão, chamam-se extremos. Extremo maior é que tem maior extensão e, na conclusão, aparece como predicado. Extremo menor, é o que tem menor extensão, e, na conclusão, aparece como sujeito. Termo médio é aquele cuja extensão é intermediária, servindo para significar a idéia que liga ou separa os extremos. Ele está presente nas premissas, mas ausente obrigatoriamente na conclusão.
                    Premissa maior é uma das três proposições na qual aparece o termo médio em conexão com o extremo maior. Premissa menor é a proposição na qual aparece o termo médio em conexão com o extremo menor. Conseqüência é o elo que une as premissas à conclusão. E conclusão, finalmente, é a proposição que decorre das premissas. É assim que se apresenta uma questão jurídica. Vejamos um exemplo prático:
José furtou um relógio de João (premissa menor)
Quem furta está incurso no artigo 155 do Código Penal (premissa maior)
Logo, José está incurso no artigo 155 do Código Penal (conclusão).
                    No campo do direito, um silogismo jurídico, formalmente, se compõe:
                    Da exposição do fato e suas circunstâncias (premissa menor, particularização.
                    Da constatação do direito ou da verificação da lei que com o fato se relaciona (premissa maior, universalização).
                    Da subsunção do fato ao direito ou a lei (conclusão).
                    Desse esquema não se deve inferir que a forma silogística liga necessariamente o fato ao direito ou à lei, pois ela constitui, tão somente, um aspecto formal e expressivo da apresentação do raciocínio pelo qual se demonstra, com a ajuda da ciência jurídica, a conformidade do fato e suas circunstâncias á doutrina jurídica ou às disposições legais. Pela forma silogística, quando os raciocínios não são concludentes, o defeito é mais fácil de descobrir. Verdade é que não é só pela forma silogística que se poderá raciocinar, mas é ela a melhor para assegurar a correção do raciocínio.
                    O formalismo silogístico surge, no raciocínio jurídico, como elemento disciplinador do contingente individual do jurista, pois a ciência do direito e a lei aplicável envolvem a sistematização das noções e das regras jurídicas, entrando assim nos domínios da observação, do método e da erudição. Enfim, os silogismos jurídicos, embora formalmente se apresentem de forma esquemática, materialmente devem conter a ciência jurídica específica de cada caso e as leis da lógica material que dominam toda a ação positiva para orientar a inteligência.
                    Sendo a ciência jurídica uma ciência baseada na observação dos fatos e das leis, e sendo a aplicação do direito, ou da lei, ao fato, um juízo essencialmente prático, natural é que a argumentação – arte de desenvolver os juízos – seja um dos elementos constantes para a demonstração da verdade jurídica e da efetividade do processo.
                    É na força do pensamento que se manifesta a arte de argumentar, virtude intelectual prática por excelência, formando a ação imanente e aquela energia necessária para exaltarem a verdade. Assim, melhor se aperfeiçoará o raciocínio na compreensão do argumento acompanhando-se a prudente experiência dos mestres do pensamento. A sabedoria que emerge dessa dinâmica de idéias constitui útil e interessante exercício de emulação para uso e prática do direito.
                    Só se formula um argumento jurídico depois de se verificar se o preceito obriga, interdita, permite ou faculta, situações essas opostas ou contraditórias e, portanto, de processos lógicos. Tais modos de apresentação da norma só tomam uma dessas direções contrárias depois de objetivamente considerados pela compreensão e de fixada no espírito do argumentador a maneira de ser da proposição jurídica em relação ao fato.
                    Determinada essa maneira de ser, surge a argumentação procurando reproduzir a expressão e o motivo do raciocínio de quem compôs aquela direção ordenatória, aquele modo de ser do preceito. Dentro desse terreno é que se movem a interpretação e os métodos que tentam sistematizá-la.
                    Nunca é demais recomendar, com grande empenho, que é preciso manter o aparato silogístico dentro de uma forma de desenvolta penetração literária e artística, sem sacrificar nunca a clareza da exposição.
                    Nesse disciplinado trabalho intelectual, os princípios da lógica formal, por si só, não fornecem conclusões jurídicas. Vão buscá-las, entretanto, nos princípios jurídicos contidos na doutrina, na jurisprudência, no enunciado ou na lei, aplicando-os, com justa medida, ao fato que se tem presente.
                    É muito proveitosa a leitura da obra de Cícero De oratore, bem como da Retórica a Herennius, que lhe foi muito tempo atribuída. Nesta última, depois de demonstrar a argumentação que convém a cada gênero judiciário, procura o autor apresentar a argumentação de forma mais brilhante e completa. “Com efeito, diz ele, geralmente não é difícil encontrar-se o que pode ser favorável a nossa causa: desde que encontrado, a dificuldade está em ponderá-lo e expô-lo com clareza. Essa qualidade é que evitará de se firmar num ponto mais do que o necessário, de voltar incessantemente a ele, de deixar um argumento apenas esboçado e passar levemente por outro (…)” “A mais completa e perfeita argumentação compreende cinco partes: proposição, prova, confirmação da prova, ornamentos, conclusão. Pela proposição, indicamos resumidamente o que pretendemos provar; pela prova, esclarecemos, em esboço, qual a verdade que sustentamos; pela confirmação da prova, desenvolvemos os argumentos que corroboram com a prova anteriormente apresentada; os ornamentos, após essa confirmação, dão à argumentação, beleza e amplidão; a conclusão resume abreviadamente nosso pensamento, agrupando as partes da argumentação” (Rhetorique a Herennius, Ed. Garnier, pág. 70).
                    É difícil, é penosa, por certo, a aplicação de tais princípios. Mas eles são fundamentais na prática forense, para magistrados e para nós, advogados, buscando na linguagem uma ferramenta adequada para efetividade do processo e para a realização da justiça.


(  *  ) Nascido em 20.04.1938 (Salvador, BA). Diplomado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia em 1960 (dezembro). Advogado militante em Brasília desde 1961 (fevereiro). Ministro do TSE em 1975 (substituto) e de 1978 a 1982 (efetivo). Autor de dezenas de artigos e ensaios publicados em repertórios autorizados da área jurídica.
Obras do Autor

  • Presença do Advogado na Sociedade Contemporânea (opúsculo).
  • Aspectos da Reforma do Judiciário e Recurso Extraordinário (opúsculo).
  • Dezenas de artigos jurídicos publicados em repertórios autorizados, marcadamente na Revista de Direito Administrativo.
  • Sementes do Destino (2008).
  • Tribunais, Ministros e Lembranças de meu Tempo (2009).
  • Guia Pessoal dos Restôs e Bistrôs Parisienses (2016).
  • Autor do livro Objetos de Arte da Coleção Pedro Gordilho. Um guardador Transeunte (2016).
  • Guia Pessoal dos Restôs e Bistrôs da Costa Norte do Descobrimento do Brasil (2017 / 2018)
  • Autor do livreto Coleção Pedro Gordilho, As fragrâncias de uma vida revelada nos perfumes prediletos (2017).
  • Um lustro nas salas de concerto e outros escritos (2018).